sábado, 27 de janeiro de 2018

para mayra mayumi

hoje, quando comecei a ler um pouco sobre umbigo, estava a me perguntar qual foi a ultima vez que olhei ou mexi no meu próprio... você costuma olhar muito para o seu?
quando eu era criança, lembro que enfiava o dedo no meu próprio umbigo e sentia uma espécie de fisgada na minha uretra, como uma corrente que seguia até a ponta do meu pinto, eu compartilhava sobre essa sensação com os meus amigos e eles diziam que sentiam o mesmo, mas vai saber né.
outra coisa me veio agora na cabeça, uma questão sobre como seria a parte inversa do umbigo, já que por fora temos a barriga, como é por dentro? se o umbigo é uma cicatriz, da parte pela qual passava o cordão umbilical que leva oxigênio e nutrientes e sei lá mais o que para o bebê, depois de cortado e cicatrizado por fora, como que fica lá dentro? antes eu imaginava o cordão como um tubo diretamente ligado ao estômago da criança, atravessado por comida mastigada da mãe o tempo todo... muitas questões que claro, posso facilmente encontrar a resposta na internet, mas sinto um pouco de preguiça agora somada a uma vontade de continuar imaginando possíveis formas de como acontece. assim dou mais corda pra ignorância ser pretexto ao devaneio.
a mesma página que eu li a respeito da importância vital do umbigo fala sobre o seu estímulo visual erótico”, e isso é ao mesmo tempo coerente e impressionante. a exposição do umbigo está para o desnudamento, um mostrar-se no entendimento de que “(...) o lugar mais erótico do corpo é onde o vestuário se entreabre (...) a encenação de um aparecimento-desaparecimento”.
o umbigo cicatriz de uma interdição, da mãe para a criança, dos seres andróginos. a gravidez consiste no entanto ao retorno a continuidade do ser, e a mãe é a figura que pode gozar essa sensibilidade. coisa que vivemos de forma efêmera e perigosa quando insistimos em encontrar nossa completude no outro, o ser outro, também interdito por carregar a cicatriz. depois que Zeus dividiu os seres andróginos, foi Apolo que curou suas feridas: “ia virando suas cabeças, para que pudessem contemplar eternamente sua parte amputada. Uma lição de humildade. Apolo também curou suas feridas, deu forma ao seu tronco e moldou sua barriga, juntando a pele que sobrava no centro, para que eles se lembrassem do que haviam sido um dia.”

me interessa o umbigo, mas por que o do outro? - tantas vezes não olhei o meu próprio. mas próprio umbigo é sinônimo de egoísmo. talvez exista uma forma de nos olharmos e sermos vistos sem ostentar o abismo nesse entre, uma forma de equilíbrio que media a minha fissura e as demais.
me parece que colidir umbigos é causar ferida a cicatriz, é confirmar e reafirmar a difícil e impraticável sutura. como quem costura com agulha e fio para descoser num eterno retorno ao fragmento de tecido.


segunda-feira, 4 de julho de 2016

à

Sinto-me ainda entre ontem, e o dia de hoje, porque é manhã, e a noite foi a mais longa do ano.” Falar por pontos e colorações, eu-saturação (mas eu falo de cor, croma). É o momento da promessa, se tratando de falar: lacuna. Garanto, quer dizer, prometo, ser direto, apesar de que nesse entre as coisas se perdem. Eu tinha sob os olhos um outro pensamento sob a coragem a roupagem de, as meias coloridas. Quero falar agora das férias, da falta de delicadeza, da comida que deixo cair no fogão e da série de modos, da peculiar, do tom que tem sua voz, da história contada como comentada e ainda por cima comentada por cima do comentário. De como estou perdido só que num lugar em que me encontro. Nunca falei directamente sobre a nova casa em que vivo e como a habitação transcende o lugar. Ela vaza. Nunca falei diretamente. Não aprendi articular, não sei soltar a língua muito menos a voz, o que sai é expiro fragmentado do que entra Tenho necessidade de parar, e de falar dele a quem seja outro.” Também estou agradecido, e cheio de vontades interditas, numa borbulhante, e certeza, e vergonha, de que a fome não é necessariamente comida no prato, porém se lá vê, o prato, a comida e o gesto desdobrado, gentil, rico e delicado, a calma e a excitação; vejo e reconsidero tudo em fotografia: grãos de prata, emulsão, contraste das reações luz/sombra, assim tão perceptivo, tão necessitado de se olhar corpo ou causa, mostra o Amante na luz crua do amado”.  As férias que se vão não são férias que se entram, entre nós. De onde vem sua falta de enfado? Do contrário, vaza graça. Já me ______________________ compõe, eAo ver o encontro do só como só, não sabia em que lugar pôr-me”. Não escrevo pelo começo, nem pelo meio nem desfecho, não pelo amor ou ao lado de tudo isto, mas roçando-o, continuamos a escrever, a exprimirmo-nos, só desejando fazer cintilar as nossas percepções e descobrir para que alvo ela nos lançam.”  

Citações do livro Finita Diário II, de Maria Gabriela Llansol.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

para Augusto Hendricus

O Augusto vive agora numa grande reserva interior, criando entre nós uma vasta zona de silêncio que se transforma em neblina afectiva; soube sempre onde o encontrar para onde lançar toda minha pujança, e encontrar eco; só a travessia da metanoite que, por estes dias, principiei a tentar escrever (...) uma escrita qualquer como qualquer outra que nada diz e persiste. E cansa. E jura. E paráfrase. E apropria. Escrevo e imagino, criando mais imagens, e essa agora é de você num quarto predominantemente branco, bebendo vinho, uma canseira do nada que pesa e uma preguiça de querer dar nome para as sensações que passaram a habitar seu corpo. ________________________________________capacidade de produção de um terreno ou solo. saio para comprar um envelope. Estou lembrada, não estou lembrada fascinantemente esqueci e recordo com certo medo porque enganosa essa memória (...)que o tempo não conduz. Penso em você novamente, por vezes muitas vezes não dizer, mas sempre sentir: que seu sorriso me bloqueia, Ora ele observou que tu, por vezes a anos de distância, não apagas o rasto do seu trajecto. Bloqueia não, gente. É um contágio mesmo. Penso agora no seu corpo percorrendo essas ruas essas cidades esses lugares que que que que com muito esforço tento construir na imaginação mas não consigo nada além de umas calçadas de pedra “________ num inconsolável abismo em que as pedras do fundo e as próximas eram cabeças humanas. Jesus, Maria, José: que que isso? Ontem no bar eu já senti algo de saudade ou, quando olhei pro seu rosto. Não sei dizer, os últimos abraços são tão esticados. Parei aqui, pareço despedir de uma vida inteira, mas é um tempo tão fluido como todos os outros - cada qual de nós nos seus envolvimentos e claro que alguma pontada ou outra de sentimento sem nome será velada (...) o horizonte é vasto, o mar é interior e a vida, paradoxalmente, não sei se tem duração, ou não.                                                                   Dizem que se balançar o pé, cai. Cai? Resolvi esperar à sombra, dessa árvore. Confortável uma brisa fresca vez turva outra macia vez granizo outra e por assim vou encostado, ando sem mover uma pata. Vez turva outra macia outra derruba o próprio fruto na minha cabeça outra sua cabeça outra e daí você de volta, “____as ideias abrem caminho, vão de um para outro lugar. Como os objectos. Ou os móveis. Ou o vento entrando e saindo das árvores. A física das palavras sólidas e dos sentimentos cruza-se com a das emoções da mente o os líquidos voláteis.                                                                                                            ...vão sozinhas pelo há.
Sem saber agora o que mais bobear aqui, por tantos (palavras que digo é enquanto grafia esvaziada) códigos abertos à ventania: é você quem capta e isso não quero somar à sua canseira (existe?): fica com o nada: claro que se mais-querer pode. Fica com o nada! Que o que somos já o é, e é mesmo que não seja (...) cansa-me, não que não exista. Mas eu não quero deixar morrer a ideia que me parece exacta -, de que as coisas vivem por profundezas ou tênues camadas, em si mesmas. Como parar o sol na parte mais fria da piscina?


*CitaçõesFragmentos do livro Diário III de Maria Gabriela Llansol

                                                                                                                                             
 Volte sempre